domingo, 28 de março de 2010

CANTATA E PRANTO PELO SANGUE QUE TINGIU A PLANÍCIE ALENTEJANA.




CARAVELA E CASQUINHA FORAM BALEADOS. VIVAM!




Casquinha

foi de pé
que morremos

Caravela

Sim
Estávamos de pé
Sobre a terra
Quando nos mataram

Ambos

Agora
jazemos por terra
Corpos já sem força
Almas já sem querer

“ Filipe Chinita e Manuel Gusmão, 2009”

Casquinha tinha dezassete anos, ainda nem imputável era, e mataram-no. Mas qual o seu crime?

Queria terra para trabalhar, mataram-no, e deram-lhe a terra que ele queria para produzir pão, como sepultura. Gritamos a impotência e a dor: MALDITOS!

Caravela homem feito, por tanto andar e sofrer era, já, caravela de mar alto, também protestava por terra, trabalho e pão, não ameaçava ninguém, e, morto foi, à terra fria desceu.

Estávamos nos idos de Setembro de 1979, e o Alentejo estava ocupado por poderosas forças da GNR com cavalos, bastões e armas pesadas. Até 25 de Novembro de 1975, apesar de todas as convulsões, nenhum agrário, feitor ou rendeiro foi agredido. Disto dou testemunho presencial, porque lá estive, todos os dias, entre as 8h e as 24 horas. Era a jornada diária das equipas do MFA de Vendas Novas.

O poder brutal dos senhores, levando à frente a Lei Barreto, do académico António Barreto, feita de um modo perverso para tudo destruir, e não para corrigir eventuais excessos, matou os sonhos, matou Caravela e Casquinha, e espancou centenas, milhares, de pessoas, sobretudo mulheres, sempre as mais decididas, porque sempre desejaram melhores dias para os filhos que geraram no seu ventre. E com que sacrifícios, quando o pão era escasso.

Caravela e Casquinha jazem, os seus executores nunca foram julgados. António Barreto continua a ser um ilustre académico, professor doutor, a falar da história, como se nada disto o incomodasse, e a sua odienta lei que matou a agricultura no Alentejo e uma melhor agricultura no país não fosse um seu filho monstro e tirano, e também a progressista primeira-ministra Lurdes de Pintassilgo, nem sequer demitiu o ministro da administração interna, o Sr. coronel Costa Brás, nem o comandante da GNR. Nada aconteceu, para além do martírio daqueles pobres trabalhadores.

Embora nada incomode os corações de pedra e as almas escuras de breu Caravela e Casquinha vivem, agora, pelo poema de Filipe Chinita, homem bom, cidadão probo, amigo de sempre, filho do Escoural, que há um ano, dois, falou-me desta obra, que, entretanto, com Manuel Gusmão adquiriu outra forma literária, mas com o mesmo sentido, o de trazer à vida estes nossos queridos companheiros – EI-LOS: CARAVELA E CASQUINHA. PRESENTES!

CARAVELA E CASQUINHA JÁ MORTOS NÃO SÓIS, ESTAIS VIVOS, E AO NOSSO LADO CAMINHAIS.

CARAVELA E CASQUINHA TAMBÉM VOS CONHECI. TAMBÉM VOS FALEI DA ESPERANÇA DE ABRIL. CHORO O VOSSO DESTINO, MAS A ESPERANÇA ESTÁ DE PÉ E COM ELA E POR ELA ESTAIS VIVOS ,ENTRE NÓS.

ABRAÇO COMPANHEIRO.

andrade da silva


Nota bibliográfica.

Filipe Chinita e Manuel Gusmão: “ CANTATA PRANTO E LOUVOR em memória de Casquinha e Caravela”, edições avante, Lisboa, 2009

4 comentários:

Unknown disse...

Lembro-me como se fosse hoje, de ver tanta gente, na rua ,a chorar a sua morte. Eu era ainda miuda...mas lembro-me muito bem da concentração de centenas ou talvez milhares de pessoas no Rossio de Montemor-o-Novo...e dos tratores cheios de flores a rumar para o Escoural.

Unknown disse...

Aos heróicos trabalhadores da Reforma Agrária.

Seara tão verdejante,
Em espigas douradas se transformou
Camponês, da terra amante
A seara ceifou.

O Outono está de a chegar
Já a folha se perdeu
Camponês, por a terra amar
O celeiro encheu.

Foram balas assassinas.
Foi cobarde quem matou.
Se, a morte foi sua sina
Seu sangue a terra regou

Desde o Sul até ao Norte
Vieram, não sei quantos mil,
Serraram fileiras contra a morte
No Portugal de Abril.

Vale Nobre ficará na história.
Reforma agrária ali chegou
E o povo não perde a memória
De quem por ela lutou.

Está a terra abandonada.
O mato de novo cresceu.
O pobre já não tem nada.
O pobre já não comeu.

Outros tempos...outras eras...
Outros ventos suprarão
Terra vermelha e sangrenta
De novo há-de dar pão.

Novo Abril há-de voltar
Porque a esperança aqui ficou
E desta terra hão-de brotar
Cravos vermelhos que o povo plantou.



(Do Montemorense, João de Deus Pereira)

Marília Gonçalves disse...

Ali por trás de paredes de sombra
O pensar procura caminho, libertário
Uma frincha de luz, ou movimento
Contrário à estática treva,
Prisioneira de paredes sem casa
Que nem chegam a ninho,
Apenas fortalezas que se erguem
Fantasmas no caminho

Ali onde paredes se levantam
Em eco de silêncio
Os pássaros espantam
Os nossos pensamentos.
Ali moram nuvens e neblina
Ali se abriga a bruma
a envolver verde colina
Só de coisa nenhuma.
Atrás das paredes vai soando
Uma voz que rasteja
A conseguir o bando
De palavra que adeja.

Aí então esmorecem as paredes
Deixa a sombra de ser
A constante das sedes
Do nosso verbo haver.

A luz semeia promessa crescente
De sol imorredoiro
E as paredes caem bruscamente
E abre-se o céu d'oiro.

Apaga-se no longe a ameaça
Do mutismo constante
Enquanto por nós passa
A palavra levante.

Fluem ribeiras de sons
Alegres a saltar
Catadupa de tons
A percorrer o ar.

Alastram palavras coloridas
Invadem a planura
Sementeira de vidas
A trepar à altura.
Das paredes fica só a lembrança
Da nossa negação
Salvaguarda da história
Sem ter repetição


Marilia Gonçalves

Marília Gonçalves disse...

O Director-geral de Arquivos tem o prazer de convidar V. Ex.ª para a
inauguração da exposição, “«… cada fio de vontade são dois braços / e cada
braço uma alavanca…»: jornais manuscritos na prisão (1934-1945)”,
que decorrerá no dia 31 de Março de 2010, no edifício do Arquivo Nacional
da Torre do Tombo, Alameda da Universidade, Lisboa, pelas 18h30m.
Estarão presentes SE o Secretário de Estado da Cultura, Elísio Summavielle
e o Secretário-geral do Partido Comunista Português, Jerónimo de Sousa