quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

CAVALO DE FERRO GALGANDO A NOITE, EM PLENO DIA.



De manhã, à tarde ou de noite, a uma velocidade vertiginosa, com um barulho ensurdecedor, ei-lo, forte, único, imponente, galgando a noite, mesmo quando é dia, atirando-se em frente pelos túneis e pela escuridão fora , poderoso. Ei-lo, o meu cavalo de ferro, colectivo – o Metropolitano, mais popularmente de Metro chamado.

Pára aqui, acolá, mais além, ainda, está sempre a parar, de estação em estação, para desespero de quem vem a queimar a hora, que somos todos nós. O tempo não chega para nada. Sim. Uma pessoa tem de "dormir, comer e fazer sexo", caso contrário, a vida é mesmo uma grande seca. De facto para quem quer chegar já a porto seguro, e anda perdido pelo inferno das paragens é desesperante, mas tem o seu quê de descoberta e mesmo de incenso, cheiros e adivinhação. Claro cada estação tem a sua história e as suas gentes, somos todos diferentes e iguais, mas uns são mais diferentes e outros mais iguais, por exemplo, os da pontinha são os mais diferentes, porque raio o serão?

Em Alfornelos, lembro-me, vá lá saber-se porque carga de água, dos fornilhos da guerra de África, e de umas pernas todas maltratadas com os pregos daqueles engenhos explosivos cobardes. Todavia rapidamente desperto deste pesadelo e, face a face, contemplo tantas Vénus, e de tão parvo, ilhéu, adjacente que sou, logo olho o Céu, e bendigo ter olhos. Platonicamente sonho o insonhável, e penso na noite e no cavalo que a galga, mas antes desejaria que este o cavalo se tornasse no Olimpo, e os tabus caíssem e uma das Vénus me quisesse para pajem – tanta parvoíce junta, quando recomendavelmente deveria ficar a chorar os malditos fornilhos, mas nunca consigo deixar de amar o belo, e olhar a vida, como um repertório maravilhoso de sensações. Pura loucura. Oh Erasmo, porque elogiastes o que não tem ponta, por onde se pegar, somente é um mal que se pega .É um vírus

Chegámos à pontinha, a pontinha da sociedade, se fosse no Funchal seria um belo pedaço de terra que entra pelo mar dentro e pelo amor também. Sobre o mar, à luz da lua, ama-se melhor e mais devagar, devagarinho, mas, aqui e agora, estamos na ponta da sociedade, e como não podia deixar de ser entra a gente da ponta, são iguais aos outros, mas são muito mais diferentes, pois que um rufia será sempre diferente de um cidadão republicano, doutor, bem comportado, que tem poder e mando, e olha os seus concidadãos, como os monárquicos olham os seus cavalos de carga, ou seja, os que acartam o estrume das éguas que transportam as mui veneráveis princesas, que todos os homens amam. Têm pele sedosa e nas voltas são muito desabridas e sem tabus. Oh excelsa Sissi. My God i’m crazy, só pode ser, desculpem. Saíam deste comboio.

Como o escritor espanhol Vila-Matas que fala destas coisas esquizofrénicas eu também, a anos-luz do ilustre escritor, perscruto os olhos e as almas daquela gente, por vezes, os olhos é bem mais difícil, vão fechados, o que, poderá ser o estado mais frequente destas almas, verdadeiros autómatos desta sociedade que não dá tempo para que aquela mulher me olhe, mas mesmo por entre as pálpebras cerradas vejo que a noite não foi boa. O seu parceiro, porque não era sexta-feira adiou o momento libidinoso, mas que se poderia fazer depois de um jogo de futebol ganho pela equipa adversária e a porcaria de uma telenovela que só falou, naquela noite, do casamento gay, em linguagem doce dos doutores, mas com outras expressões menos coloridas entre as gentes da pontinha.

Todavia não só penso em coisas de mais abaixo, penso também nas grandes problemáticas do mais ao alto, e, então, oiço toda aquela gente a protestar contra a sua situação, e a dizerem baixinho, que não há solução, que são formigas e que por cima delas e de nós passam os elefantes, portanto, bem nos podemos considerar felizes e concidadãos com sorte por não sermos esmagados, não estarmos no desemprego e termos recebido o salário no dia certo, o que, não é para todos.

O meu filho começa bem este ano, como estagiário não recebeu o seu vencimento a 22, receberá a 26, porque o digno republicano presidente da empresa, não conseguiu assinar a ordem de pagamento. Enfim ano novo, práticas de sempre. Como me sinto humilhado e revoltado por este insulto.

Enfim no zoo lembro-me dos meus primos primatas e das árvores e também de umas coisas simpáticas que por lá fiz a bem do Sol e da Lua, enfim devaneios.

Na praça de Espanha lembro-me sempre de uns Lusitanos que, como endoidados, queriam declarar a anexação de Espanha a Portugal, nos idos de 1975, através da a ocupação da embaixada. O mesmo tentaram em Évora e mais longe não foram nos seus desmandos, porque o meu feeling, não reconhecido pelo poderoso comandante da região militar, ali me conduziu, e perante o acto de fé que militares, policias e energúmenos faziam, a tudo aquilo pus cobro, e ordenei, sem lugar para qualquer dúvida ( honro-me de ter sido sempre muito, muito explicito, na guerra, na paz e na revolução) à policia militar e à PSP que perseguisse os ladrões. Seja como for uns anos mais tarde fui chamado a tribunal, como presumível autor daqueles actos abomináveis. Fiz este depoimento e nunca mais fui incomodado, lá houve um juiz, juiz, naquele tribunal, o que, nem sempre é o caso.

Agora chego a S. Sebastião, luz, tudo gente bonita, El Corte Inglês e lembro-me dos dois mundos que por aqui existem. Há uns tempos atrás, por aquelas ruas, desceu uma manifestação do Partido Comunista com gente de norte a sul, percorri a manifestação de lés a lés, e vi a cara e as vestes dos que amassam o pão com as suas mãos, pão que muita vezes é duro e transporta lágrimas e sangue e, este, Mundo é diferente das e dos que se passeiam no corte inglês com peles de Lontra. Todavia para meu espanto lá encontrei um mui ilustre general que se dirigia para uma sala de cinema com um pacotão de pipocas.

My GOd! O que os meus olhos vêm.

Chegado a S. Sebastião deixo o cavalo, o ruído, a noite e volto ao vento do dia, vejo a mesma gente, mas agora já com a luz do sol a bater-lhes nas caras vejo que são meus iguais nesta caminhada por vezes sem sentido, ou com sentido proibido, mas com muitas sensações que valem bem este grande prazer de viver.

Gosto tanto do metropolitano –pudera vir de Lisboa até casa a pé, seria obra – pelo que ao metro regresso sempre, e descubro a minha faceta de detective e a minha maldade intrínseca. Num destes dias um rapariga exótica levantou-se para dar o lugar a uma mãe, e foi seguida pelo olhar obsessivo de um indivíduo mais diferente do que igual aos doutores republicanos, e, logo, pensei que se a rapariga e aquele ser menos igual saíssem na mesma estação, o rapto seria consumado. Fiquei atento e pensei alertar a rapariga para o perigo iminente, mas isto seria esquizofrénico, risco que correria se a rapariga fosse simpática, como não o era, mas sim arrogante e sobranceira, então, decidi que a abandonaria ao seu trágico destino, contudo o homem saiu e ela não.

A exótica rapariga salvou-se de um fim trágico, e eu fiquei a saber que afinal tenho a marca de água da humanidade – a maldade . Só mesmo no metro ou nas casas de banho se descobre quão humanos e afinal iguais somos às Vénus de S. Sebastião, e aos manhosos que se abotoam com milhões ou uns míseros euros.

Perdoo-me, porque a chuva e o ruído do metropolitano não perdoam a ninguém, mas mais a uns que a outros, e eu sou dos menos perdoados. Coisas…

Mas amovo-vos queridas ( a vós especialmente) concidadãs e queridos ( e também a vós especialmente) concidadãos. Oh Erasmo! Oh Freud que fazer?

Cai o pano, um sorriso silencioso, em esboço, se desenha no vento que passa. Creio que mais que pó, sou vento.


andrade da silva

9 comentários:

Anónimo disse...

"fazer sexo, caso contrário, a vida é mesmo uma grande seca."
é o que se pose dizer como expressão mais apropriada oh oh oh

Anónimo disse...

http://anacamarra.blogspot.com/

andrade da silva disse...

Anacamara um blog com muito boa musica, imagem e belos textos, muito inspirados sobre esta coisa tão simples como é o sexo. Disse simples?

Enfim há dias assim.
asilva

Jerónimo Sardinha disse...

Meu Caro Andrade da Silva,

Não tarda estás como o Cervantes.

Espero pelo teu "Rocinante" no passar do tempo, pois caminhas para Quixote.

Mas é bom. Assim pelo menos, mostras estar bem vivo, de físico e de ideais.

Continua. Tentarei acompanhar-te.
Poderei dar um Pança desajeitado!

Grande Abraço,
Jerónimo Sardinha

Marília Gonçalves disse...

Caro Andrade da Silva

não será dito que seus amigos e companheiros o não escutam no seu fervor metropolitano ah ah ah

coisas de militantes!!!

aqui deixo poema desse grande poeta que foi José Gomes Ferreira, como vê
há algo em comum, até porque o seu artigo está cheio de humor!

aqui fica pois:

( Num carro para Campolide. Dia sexual )
Uma mulher de carne azul,
Semeadora de luzes e de transes,
Atravessou o vidro
E veio, voadora,
Sentar-se ao meu colo
Na nudez reclinada
Dum desdém de espelhos.
( Mas que bom! Nimguém suspeita
Que levo uma mulher nua nos joelhos.)

José Gomes Ferreira

Marília Gonçalves disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
andrade da silva disse...

Cara Marilia e Jeronimo

Pois é, o grande psicólogo Ellis dizia com todas as letras a gente da alta sociedade,para seu escandalo, que todos temos uma parte merdosa,agora vens tu simpaticamente dizer que para além disso também temos algo de D. quixote, embora a uns anos luz, enfim Dostoievski falava do homem ridulo e, ainda vem a nossa querida amiga Marilia Dizer que o grande poeta José Gomes Ferreira também tinha sonhos azuis nas camionetas e neste emaranhado de coisas simples e ludicas, dizem os psicólogos ( estes tipos)que não há nada de mais saudável do que rir-se de si próprio, foi o que fiz neste exercicio de exorcismo libidinoso,de facto também me rio de mim.

E que grande prazer é ver que outros, neste caso vocês, se riem comigo,quando de mim me rio.
Valeu.
Um grande abraço
asilva

Anónimo disse...

Esperava, por ser dia 27 de Janeiro, uma alusão aos 65 anos decorridos sobre a libertação dos judeus dos campos de concentração...

Todavia, fiquei agradavelmente surpreendido...!

Bem haja!

Um abraço,

Fazendeiro

andrade da silva disse...

Caro Fazendeiro

No dia 27,estive a falar sobre o 31 de Janeiro de 1891 e nas pontes entre revoluções ganhas e perdidas a de 1383, 1891, 1908, 1910 e a do 25 de Abril 74, em que participei de corpo inteiro, e lá vou aproveitando como posso, para dizer que os plebeus em todas as revoluções foram a carne para canhão e em todas foram atirados borda fora pelos poderes.

Mas caro Fazendeiro neste blog fala-se de tudo e está aberto a todas as colaborações.

É um grande prazer ter-te como leitor e tanto melhor como cooperador e é bom saber que este texto te agradou.
abraço
asilva