quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O DEUS-MOTOR DA MODERNIDADE É CRUEL E SANGUINÁRIO


Generalizou-se a ideia que morrer, ou ficar ferido nas estradas são o justo tributo que temos de pagar à modernidade, e que os acidentes são aceitáveis, porque onde está o homem, está o perigo, ou que estar morto é contrário de estar vivo, mudança de estado que pode acontecer a qualquer um, em qualquer sítio e por uma coisa qualquer.

Nada mais errado e desculpabilizador para os governos e os assassinos da estrada. Para os governos, porque não legislam com a severidade devida para reprimir os homicídios por negligência, e, alguns mesmo com mais significativo grau de dolo; porque não inspeccionam correctamente as escolas de condução; não fiscalizam convenientemente; não constroem os melhores troços de vias; e ainda porque permitem a produção de carros de alta cilindrada com capacidade de excederem, por vezes, em mais do dobro as velocidades máximas permitidas. Para quê, se não deveriam ser usadas?

Todavia porque estão à mão de ser disponibilizadas, são accionadas. Não seria mais adequado aos governos exigirem mais investimentos na área da segurança dos próprios automóveis?

Um raciocínio idêntico se formula em relação aos acidentes aéreos e no caso destes compara-se ainda o número de mortos com os das estradas, para se dizer que o transporte aéreo é o mais seguro do mundo. As estatísticas (sempre estas malditas) dirão que por cada y de mortos nas estradas, o número em desastres aéreos será de 0, seguido de bastantes zeros, donde se conclui que tudo está bem. Mas será assim?

O que importa, para as mais de cem pessoas que normalmente morrem em cada acidente aéreo, que as estatísticas considerem como pouco provável a sua morte num desastre aéreo, mas que morreram? Para as vítimas e as suas famílias a estatística do drama é outra. Para quem morre a perda é de 100%, e é o que interessa às vítimas e às suas famílias.

Também aqui as mortes parecem não poder, ou dever-se, somente imputar ao desenvolvimento das sociedades, mas também a outros factores que podem ser bem mais responsáveis, e para isso basta ouvir os especialistas após cada desastre, que se repetem nos seus argumentos: um acidente deve-se a um conjunto de causas que ou não foi possível detectar, ou que quando detectadas nem sempre foi possível interromper o circuito que leva ao desastre. Porquê?

Porque ainda não temos, ou alguns aviões não têm, a tecnologia que permita uma melhor intervenção, ou porque para ter a percepção desta cadeia é preciso uma experiência não compatível com os anos de voo dos pilotos para responderem às necessidades de transporte?

Também sempre que há um acidente aparece, por algum tempo, na imprensa que já não sei quantos técnicos tinham alertado para o perigo daquele aeroporto, para as suas deficientes condições de segurança e operacionalidade.

Tudo ou quase tudo se diz por um tempo que pouco vai para além do dia do funeral das vítimas. Depois as caixas negras recolhem aos laboratórios que levam meses a reconstituir o acidente. Quando chegam ao fim das peritagens para além dos parentes das vítimas mais ninguém se lembra do que se passou, pelo que as conclusões pouco interessam.

No acidente havido no Brasil vimos caírem centenas de vidas, caiu um ministro, o Sr. Presidente Lula da Silva apareceu triste e com cara de caso perante as TV. Todavia passado estes meses o Sr. Presidente e o Sr. Ministro demitido estão muito bem, riem-se, bebem e comem, numa palavra, vivem, enquanto, os mortos se tornam em pó e os seus familiares choram, impotentemente choram, somente choram. Ficaram sós e abandonados com o seu luto e a sua dor. Tudo regressou à rotina até ao próximo acidente aéreo.

Isto é o que tem sido, e nós temos consentido, mas não deveria ser assim. Para além das estatísticas teríamos de saber qual segurança de cada voo, e o que se faz para garantir o maior grau de fiabilidade ao nível dos pilotos, das aeronaves, dos aeroportos, da assistência técnica e inspecção dos aviões, e, nomeadamente, como é que tudo isto está garantido nos voos de baixo custo.

Devemos de ser informados em cada voo concreto dos riscos que estão controlados e que com grau de segurança. Com esta informação podemos tomar a decisão mais consciente de escolher outro meio de transporte, ou mesmo de não partir.

Não me parece que tudo deva ser aceite como o preço que temos de pagar pela modernidade, quando é certo que pode " Haver muitos erros e Má fortuna", mas também incúria e desinvestimento na segurança, o que seria imperdoável, para além de muita incompetência na gestão destas pastas na área governamental.

Julgo que deveríamos ser muito mais atentos e exigentes nestas matérias que são também de segurança dos cidadãos, e do nosso bem-estar pessoal e colectivo.

Quantos milhares de mortos, estropiados e doentes nos últimos 5, 10 anos, tempo médio das guerras em que a Europa já se envolveu, se devem a acidentes aéreos e de viação?

Talvez esta cifra negra nos desperte para o pesado preço que estamos a pagar, por de um modo acrítico adorarmos todos os Deuses da Modernidade.

28 Agosto 08

andrade da silva

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